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domingo, 12 de junho de 2011

Kaline Fávero: As doenças respiratórias e o uso de agrotóxicos


http://www.viomundo.com.br/denuncias/kaline-favero-as-doencas-respiratorias-e-o-uso-de-agrotoxicos.html

Kaline Fávero: As doenças respiratórias e o uso de agrotóxicos

por Manuela Azenha
Resultados de uma pesquisa feita em Lucas do Rio Verde, em Mato Grosso, servem de alerta: o número de internações de crianças por problemas respiratórios na cidade é, proporcionalmente, muito maior que em São Paulo, uma das cidades mais poluídas do país. Só novos estudos poderão confirmar se, de fato, isso se deve a uma peculiaridade local: o uso intensivo de agrotóxicos.
Orientada pelo professor Vanderlei Pignati, do núcleo de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), a mestranda Kaline Aires de Souza Fávero apresentou a conclusão da tese de mestrado em abril passado. Os dados acendem o sinal de alerta: o número de internações de crianças de menos de 5 anos de idade em Lucas é cinco vezes maior que o de São Paulo, proporcionalmente, e 39% superior à média de Mato Grosso. Notória produtora agroindustrial, Lucas do Rio Verde tem sido alvo de uma série de pesquisas após sofrer um acidente ampliado de contaminação por pulverização aérea. O trabalho é inédito no Brasil.
Viomundo – O que a pesquisa apontou?
Kaline Aires de Souza Fávero – Fazendo as análises com os dados que nós tinhamos, que era o número de internações por doenças respiratórias dessas crianças, a gente verificou que teve associação com o uso de agrotóxicos no período de 1 a 3 meses após o uso dessas susbstâncias.

Viomundo – Quantas crianças foram examinadas e quais foram os sintomas?
Kaline – A gente não verificou sintoma por sintoma, usamos dados secundários do sistema online Datasus. Não fomos a campo pegar os dados primários, que são entrevistas. Com o que tinha no sistema do SUS, calculamos e fizemos as análises estatísticas, por regressão e correlação, que são as análises indicadas para calcular isso. Mas eu não sei te falar agora qual o número exato de crianças pesquisadas, porque foi no período de 2004 a 2009.
Viomundo – Vocês foram atrás de quais sintomas no sistema Datasus?
Kaline – Não fomos atrás de sintomas. No sistema Datasus, tem o número de crianças que foram internadas por doenças respiratórias. São classificadas pelo capítulo 10 do CID (Classificação Internacional de Doenças). O capítulo 10 envolve todas as doenças respiratórias. Então, se o médico colocou no prontuário que a criança tinha chiado no peito, tosse, ou qualquer doença classificada dentro do capítulo 10 do CID, foi notificado e nós utilizamos na pesquisa. No sistema Datasus, nós não temos acesso ao prontuário médico, só ao dado pronto.
Viomundo – Como vocês associaram as doenças respiratórias ao uso de agrotóxicos?
Kaline – A gente observou a quantidade utilizada de agrotóxicos por ano no município. Por exemplo, pegamos uma quantidade X de agrotóxicos utilizados em cada mês de 2004 a 2009 e nós tínhamos uma quantidade por mês de internações no mesmo período, então fizemos análises estatísticas, através de programas estatísticos reconhecidos, e as contas são analisadas através do modelo de regressão de Poisson e de correlação de Pearson. Não são análises laboratoriais ou clínicas, são estatísticas. Não afirmam, mas supõem. Não posso te falar com certeza se as doenças respiratórias foram causadas por agrotóxicos. Os dados indicam que pode ter sido a causa. Inclusive, no final da minha pesquisa, recomendo que se faça mais pesquisas para confirmar o resultado, porque os dois anos de pesquisa foram um tempo curto demais para isso. Essa pesquisa era de mestrado e, portanto, tinha o prazo estipulado de duração: dois anos.
Viomundo – Existe um aumento da incidência de doenças respiratórias durante os anos pesquisados?
Kaline – De 2004 a 2009, esse número aumentou, sim. Até porque aumentou o número da produção, de área planatada, do uso de agrotóxico e consequentemente, o de internações por doenças respiratórias. A gente tentou ver se tinha alguma relação e, pela análise estatística, tem. Mas é preciso fazer estudos mais aprofundados para confirmar isso.
Viomundo – Existem planos de continuidade dessa pesquisa?
Kaline – Sim. Mas a minha pesquisa é única no Brasil, não existe nenhuma outra pesquisa que associe doenças respiratórias com o uso de agrotóxicos. Então, a gente quer que outras pessoas também pesquisem isso, para não ficar uma pesquisa só minha. Até porque não é só em Lucas do Rio Verde que tem área plantada. O estado do Mato Grosso tem muitas outras cidades com características semelhantes.
Viomundo – Quais foram as suas dificuldades no processo de pesquisa?
Kaline –  Queríamos ter utilizado os dados primários, os do prontuário do paciente, mas os prontuários não eram completos. Foi a maior dificuldade, porque seria melhor pegar as informações na fonte do que as já no sistema, que não estão disponiveis em detalhes para nós, pesquisadores. Eu cheguei a ir ao hospital consultar os prontuários, eram mais de 50 mil e não estavam digitalizados. Então, decidimos deixar de lado esses dados e utilizar os dados secundários do sistema.
Viomundo – Por que essa relação entre doenças respiratórias e uso de agrotóxicos nunca foi estudada?
Kaline– Quando entrei no mestrado, escolhi essa área. Como eu sou fisioterapeuta, atendia muita criança com doença respiratória no município de Primavera do Leste. A princípio, a pesquisa seria feita lá, mas meu orientador, o professor Pignati, já tinha o grupo de pesquisa em Lucas, cidade com características semelhantes. Em ambas, a distância entre as áreas urbana e rural é muito pequena. O clima de Primavera é muito bom, não é como em Cuiabá, que é muito seco e quente. Então, comecei a questionar se seria mesmo só por uma questão climática a incidência de doenças respiratórias.
Viomundo –Que tipo de medida pode ser tomada a partir dos resultados apontados?
Kaline – O mais importante é ficar atento a isso. Não tenho pretensão nenhuma em dizer que não se deve usar agrotóxicos nas lavouras em Lucas. A minha pretensão é que os funcionarios da Saúde notifiquem as possíveis intoxicações, porque isso não acontece. Às vezes, a intoxicação é nitidamente por agrotóxico e isso não é notificado. Seria importante um conhecimento maior. Quando é pelo clima, não tem o que fazer, mas quando for provocado pelo homem, será que não estamos utilizando agrotóxico demais? São dúvidas que surgem. Será que se está usando em excesso, será que está prejudicando a cidade, será que as lavouras estão muito proximas? Porque o maior número de pessoas era da cidade. A minoria era da zona rural. O poder público tem que instituir programas de saúde e trabalhar com a questão dos agrotóxicos, limitar o uso exacerbado. É preciso ter profissionais da Saúde que se apliquem mais. Os prontuários mal preenchidos me fizeram desistir de usar dados primários. Isso ainda será passado para eles, é que ainda não fizemos a devolutiva para o município, porque defendi meu mestrado semana passada. Mas acho que é isso: crianças menores de cinco anos estão sofrendo, sendo internadas porque a cidade está sendo afetada. A cidade tem a vantagem da economia depender do agronegócio e a desvantagem dessa atividade trazer esses malefícios para a saúde.

Viomundo – Por que os funcionarios não notificam as intoxicações?
Kaline – Acho que é por falta de treinamento. Não existe ainda uma política pública que ensine a reconhecer e notificar as intoxicações por agrotóxicos. Por que não existe esse treinamento, eu não sei dizer. Na minha pesquisa, a gente fez os cálculos e observamos que se compararmos o número de crianças internadas por doenças respiratórias em Lucas com o número em São Paulo, que é uma cidade conhecida pela alta poluição ambiental, em Lucas é cinco vezes maior, proporcionalmente. E se comparamos com a taxa de internações em Mato Grosso, Lucas tem 39% a mais que o estado. Então, é muito elevada a taxa para um município pequeno, são aproximadamente 34 mil habitantes. Dizer que é só pelo clima? É preocupante.
Viomundo – Qual era o perfil dessas crianças?
Kaline – É dificil traçar um perfil, já que os prontuários não eram completos. Não tinha a profissão dos pais, por exemplo. Eu queria dizer que essas pesquisas feitas em Lucas não são para, de maneira alguma, denegrir a imagem do município. Mas é que ele tem características muito fortes no estado. É o quinto maior produtor de grãos de Mato Grosso, é um municipio que está crescendo, e esse cresimento pode trazer coisas que não são tão boas. As pesquisas indicam que há alguma coisa errada.
 
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